Poços de Caldas, MG – Um de frente para o outro, dois jovens se enfrentam e tentam provar qual é o melhor. A cena acima poderia se encaixar em mais uma das milhares de estatísticas sobre a violência, tão comuns e frequentes no dias atuais, entretanto, esta é uma das alternativas que criam oportunidades e promovem cidadania.
Por meio do hip-hop, a 1ª Batalha de Rimas de Poços de Caldas, promovida pelo Coletivo Hip-Hop Uai (União dos Ativistas do Interior) no domingo (12) conseguiu reunir mais de 100 pessoas na pista de skate da cidade e preencher as horas do domingo com muito pensamento ágil, som de qualidade e rap sul-mineiro.
A proposta trouxe resultado, o que é confirmado pela declaração do vencedor da batalha, Michel, conhecido como Dimenor. “O hip-hop é um movimento que me tirou da merda, porque eu não fazia nada, sabe? Eu me arrisco no graffiti, faço rap, um pouco de break, enfim, é uma terapia para mim, porque estou aqui e não mexendo com outras porcarias”, dispara, ao ser questionado sobre o papel que a cultura de rua exerce em sua vida.
Aos 19 anos, ele se dedica aos estudos e às rimas em batalhas improvisadas num dos pontos turísticos da cidade. Sobre o evento, o primeiro da cidade organizado com o propósito de uma rinha entre MCs, o jovem afirma que mesmo tendo competido entre amigos, ele tomou cautela com as ofensas e elogia o evento. “Isso é muito bom, a batalha estimula o raciocínio rápido, faz ter gosto pela leitura, que é o que eu tenho feito muito, para ampliar o vocabulário e não falar bobagem”, destaca, lembrando que a vitória alcançada na disputa, com muitas rimas criativas, é dedicada à mãe. “Ela sempre me deseja boa sorte”, diz.
Professor x aluno
Esta foi a cena da final da Batalha, protagonizada por Dimenor e Dudu Nights, que na verdade, é o cara que inspirou o vencedor do campeonato a começar a rimar. Juntos, eles integram o grupo Sagáticos, em Poços de Caldas, e se enfrentaram numa final acirrada, decidida pelos aplausos do público, ou seja, de forma diferente de como foi conduzida, com avaliação de quatro jurados com longa bagagem no rap e experiência em rimas.
Para Dudu, a organização da batalha foi o que valorizou o evento. “O hip-hop é uma cultura que serve como diversão e para tirar as pessoas de coisas ruins, porque a cabeça aqui é usada para coisas do bem. Muita gente tem preconceito, mas a mensagem verdadeira do rap que praticamos aqui é algo que serve para utilizar a cabeça, ou seja, coisa de gente inteligente”, coloca o rapper que se utiliza de Racionais MCs e Raul Seixas como inspiração para as rinhas e também para o rap feito pelo grupo.
Conhecimento
Para estimular ainda mais o conhecimento, o Coletivo Hip-Hop Uai efetuou ainda a distribuição de exemplares do Jornal Enraizados.
Vindos do Rio de Janeiro, enviados por Dudu de Morro Agudo e Refém, os jornais fazem parte de mais um projeto do movimento carioca e ganhou as ruas de Poços de Caldas a partir do evento, onde vários participantes ganharam um exemplar, fizeram a leitura, e conforme orientados, passaram adiante.
Participação feminina
Com muitas mulheres na plateia, somente uma se arriscou na rima. Talita, também conhecida como Laddies, mesmo após ter sido a única, entre três amigas, que continuou cantando foi a representante feminina do hip-hop durante a Batalha.
Inscrita e mesmo com certo receio, ela assumiu o microfone e duelou contra o primo, China_Trindad.
Tímida, ela teve medo de ofender, mas, fez as mulheres presentes na pista de skate vibrarem com a iniciativa.
“Foi interessante participar. Eu fiquei com vergonha, mas depois gostei de rimar e me empolguei. Nas próximas estarei lá, com certeza”, diz.
Para China_Trindad, que a enfrentou na Batalha, apesar da atitude respeitosa que Talita teve, houve um certo desconforto. “Ela é mulher, fica complicado de duelar, porque não é qualquer coisa que se pode dizer a uma garota”, afirma.
Com certificado de aprovação, pelo público
As declarações do campeão da Batalha se casam com a proposta do coletivo, que objetiva resgatar as origens da cultura hip-hop por meio das festas nas ruas, com a participação popular e interação de todos os presentes.
Ao comando do MC Leopac, o campeonato de rimas aconteceu ao som das pick-ups de DJ Mancha e contagiou o público, como é o caso do b.boy Ricardo Saraiva, que foi no evento apenas para prestigiar, uma vez que não se arrisca no freestyle.
“O resultado foi muito legal, compareceram bastante gente, o pessoal do skate também ficou e foi um movimento muito legal. Vou estar sempre presente nas próximas, porque ajuda a cultura hip-hop crescer na cidade e incentiva as pessoas. Abre portas”, fala.
Por curtição e também compromisso profissional e social, o vereador Tiago Cavelagna apoiou o evento e esteve presente na festa. Junto aos participantes, ele aplaudiu, incentivou e se divertiu durante toda tarde de domingo. Para ele, o apoio para o evento aconteceu de forma natural, uma vez que ele é próximo de culturais que envolve a juventude. “É sempre importante estamos juntos com as pessoas que representamos. O projeto é maravilhoso e tem um potencial de crescimento enorme. É a maneira mais rápida de inserir bons conceitos e valores no meio dessa juventude que há muito tempo se sente marginalizada”, considera.
Cavelagna pontua ainda que a 1ª Batalha de Rimas proporcionou ainda o uso adequado do espaço público. “Com eventos desse tipo, o tráfico, que infelizmente tenta tomar conta é excluído e devolve para o cidadão de bem o que foi construído por ele”, acredita.
Entre os apoiadores está também Tiago Batista Fernandes, conhecido como Tiagão Tatoo. Enquanto público, ele aproveitou para praticar o skate boarding na pista da cidade e curtir as rimas improvisadas dos MCs que assumiram o duelo. Questionado sobre o apoio oferecido, em forma de brindes e parceria, para o evento, ele afirma que está envolvido com hip-hop porque gosta bastante. “Muita gente aqui está envolvido e sabe o que dizer e outros que querem apoiar e somam. É algo que está no começo e vai longe”, dispara.
O vencedor levou uma tatuagem do Tiagão Tatoo, uma camiseta da Interiô Street Wear, marca que veste o Coletivo Hip-Hop Uai, completamente criada e desenvolvida em Poços e um CD do grupo Uclanos.
O vice-campeão levou dois piercings do Crazy Body Piercing e uma camiseta da Interiô Street Wear.
Os participantes que se arriscaram no freestyle temático e também em rinhas além da Batalha levaram também outros oito pierciengs.
Avaliação do Júri
Os jurados que avaliaram o desempenho dos MCs em critérios como criatividade, interatividade e raciocínio até o duelo da semi-final da Batalha também comentam o evento, como é o a caso de Flávio Alves, conhecido como Suburbano. Envolvido com o rap desde 1993, ele foi um dos pioneiros na cidade a se envolver com a cultura hip-hop e hoje é MC de um dos grupos mais considerados no sul do Estado, o Uclanos.
“Por ter sido a primeira batalha, foi bem interessante, a interatividade do público foi muita boa, assim como a qualidade dos rappers. Acho muito importante que aconteçam outras edições”, diz.
Assim como ele, Bebeto, conhecido como Mb2 é também membro do grupo Uclanos e foi um dos jurados, avalia o encontro como algo bastante válido. “Parabéns ao coletivo Hip-Hop Uai, que conseguiu reunir a galera e os grupos, que puderam interagir mais com o lance do freestyle”, comenta.
Já o rapper J.Dois, integrante do grupo MAFIA (Manos na Área Fazendo a Igualdade Acontecer) considera a Batalha como algo que vai ao encontro, justamente, da igualdade que ele busca. Com um CD novo “Do dia pra noite”, ele elogia o campeonato. “As rimas apresentadas foram muito boas e estou feliz com a oportunidade de ter feito parte disso, de ter sido jurado”.
Já o rapper Alemão, que lança no próximo ano o CD “Ultrapassando Fronteiras”, que está sendo gravado nos estúdios Rima Cruz, em Votuporanga, onde grupos como Inquérito e Shekinah Rap também gravam, pensa que o evento foi bastante surpreendente pela qualidade. “Foram rimas muito boas apresentadas pelo público, pessoas bastante inteligentes e queremos mais eventos grandes, fazendo a coisa acontecer no interior de Minas Gerais”, finaliza.