7 de out. de 2009
Entrevista com Dígnos + som exclusivo
Salve familia.
Hoje temos dois presentes pra vocês, uma entrevista e um som exclusivo com o grupo Dígnos. Mas antes, eu queria apenas retificar uma noticia dada aqui pela Vanguarda que foi a volta do grupo Hórus e essa entrevista seria do mesmo, de fato o Hórus ia voltar, mas por alguns imprevistos ainda não tem uma previsão de volta do grupo, e o Carlão continuará com o grupo Dígnos e também esclarece sobre essa questão na entrevista.
E aproveitando a oportunidade, agradecer ao Carlão pela força que o mesmo tem dado ao nosso trabalho.
Entrevista:
VDRN: Fale-nos um pouco sobre o seu grupo, Dígnos:
CARLÃO: O grupo em si é uma junção de outros grupos que já possuem uma considerável caminhada no rap. Como todos bem sabem, eu vim do meu antigo grupo o Hórus, o Daniel por sua vez é do grupo Ordem Própria, que em breve estará lançando seu cd na rua, (na minha humilde opinião um dos melhores que já ouvi) e o K-beção que era de um grupo chamado Na Cena que também se desfez, mas atualmente ele também ajuda no projeto solo do Moisés do A286. Eu havia lançado o cd do Hórus, Seqüelas das Lágrimas de Sangue, porém por divergências internas e até mesmo profissionais resolvi findar o grupo. Mas pra minha surpresa, eu tinha feito um excepcional público que tanto via internet ou até mesmo em shows, sempre me questionavam sobre um possível show ou qual seria a continuidade do meu trabalho na música. Então, em respeito a esse público e as pessoas que me ajudaram a concretizar meu projeto no Hórus, me propus a dar essa continuidade com um novo grupo, porém com integrantes a altura desse projeto, pois eu sabia que não poderia chegar ao mesmo segmento da pegada antiga. Entrei em contato com os dois, que já eram meus irmãos incondicionais de anos atrás, e eles gostaram da proposta e desde então estamos trabalhando arduamente nesse projeto.
VDRN: O que diferenciará o Dígnos do Hórus?
CARLÃO: Com certeza muitos fatores que não existia no Hórus. Posso apontar que, em caráter pessoal, houve uma grande evolução por minha parte em relação à escrita, eu escrevi 15 músicas no Hórus que muitos falam bem delas, mas hoje, quando eu as escuto eu falo: “Dava pra melhorar aqui, isso ali não tinha necessidade.” e assim por diante. Acho que a recíproca só se torna verdadeira quando você faz por onde, ou seja, o passar do tempo lhe implica que você obtenha uma ascensão pessoal tanto qualificativa, como principalmente maturativa. Acho que a analogia perfeita entre ambas as partes é a frase “fazer acontecer”, se você de repente espera que o tempo lhe modifique e lhe ensine os caminhos, infelizmente truta você irá se contentar e se conformar com aquilo que você tem, pois não passará disso. Agora, se você procurar vertentes divergentes para um sucesso pessoal, um sonho, com certeza você irá alcançá-lo, porque a única pessoa que pode impor uma limitação é você mesmo. Através dos livros, internet e estudos, eu hoje tenho algumas concepções diferentes das que eu tinha no Hórus, e com certeza possuo mais informações para adaptá-las a uma letra de rap. Outro fator que vai diferenciar o Hórus do Dígnos é a levada. Será a mesma pegada gangsta, porém com uma cara diferenciada do padrão que eu obtinha, ou seja, ao invés de ser focado mais em repiques de bumbos ou pratos, ou em instrumentais melódicos, ou até mesmo em uma levada única, vamos procurar não parecer com o antigo e nem parecer com os atuais, algo que eu vivi muito no Hórus. E com certeza o maior ponto de divergência serão o Daniel e o K-beção, tanto porque os dois escrevem e postarão suas idéias em letras, então não ficará algo com a cara do Carlão, ficará com a cara dos três e a levada dos dois que darão um destaque a mais na obra.
VDRN: Quais são os projetos do Dignos? Pode nos adiantar algo? Tem a previsão de quando sai o cd?
CARLÃO: Como todo bom e consciente cantor de Rap, vou me restringir ao silêncio informando que daqui pra frente é surpresa. rs..Mas alguns detalhes eu posso falar sim sem problemas. Estamos em fase de gravação das músicas, terminando algumas bases e fechando com algumas participações. Serão poucas porque na obra anterior eu fiz algo bom, mas ao mesmo tempo eu cometi um erro. O bom foram todos os manos que somaram e participaram, o que deixou o cd muito loko e muito completo, mas eu percebi que bastante participações te trás conseqüências e problemas. A primeira delas é o mais óbvio, se você virar, vão falar que você virou por causa do Realidade, do Facção ou do Luo, dificilmente vai ser por uma música que eu você esta cantando sozinho, ou se você fracassar amplamente vão falar se nem com esses manos ele conseguiu, o próximo então vai ser uma merda. Temos um público exigente e que necessita de boa qualidade e boa música, mas eu digo que no meu primeiro cd, as pessoas que somaram no mesmo, são pessoas que me ajudaram muito, pessoas que passaram de ídolos para bons amigos, alguns irmãos de correria, então posso dizer que foi um sonho pessoal.
Mas a noticia referente ao assunto abrangido acima que eu acho que muitos vão gostar, é que vamos fazer um som, que no mesmo som terá a participação do Douglas, do Realidade Cruel, e do Pregador Luo, do Apocalipse 16, uma parceria inédita que O Dígnos teve a felicidade e honra de concretizar, então podem aguardar que será um som que vai ser um dos melhores do cd e que, possivelmente em 2010, estaremos com o cd nas ruas, mas antes é necessário fazermos uma boa divulgação do trabalho e alguns shows pra que as comparações sejam findadas e com certeza cantarei algumas músicas do Hórus que se destacaram como a Infância dos mortos, Missão Cumprida, Feliz Natal entre outras.
VDRN: É possível viver somente de rap?
CARLÃO: Uma boa pergunta que poderia se restringir a uma simples resposta de sim ou não, mas se formos fazer uma análise específica e explícita, é um assunto muito amplo. Primeiro vamos ao foco da pergunta. Ela pode ser entoada em dois casos: Se você é pioneiro do bagulho, vem de uma caminhada e de um reconhecimento nacional, sim, possivelmente você colherá bons frutos com seu trabalho e não tenho problemas em citar exemplos, Facção Central, Realidade Cruel, Apocalipse 16, Racionais entre outros. São grupos que se estabilizaram por mérito no movimento, que não mudaram sua postura e mais além, não exercem o rap só em shows (possivelmente o foco principal da pergunta), mas sim em outras coisas, devido até mesmo a imagem que construíram e são enaltecidas até hoje. Mas se a pergunta for pra quem está começando a entrar no movimento, aí depende. Depende primordialmente do que você quer no rap, se você quer realizar um sonho armazenado de ilusão e gozolândia, só lamento, optou pelo caminho errado, ou se você realmente quer fazer acontecer porque acha uma causa justa, nobre e verdadeira, você possivelmente terá condições de fazer uma história verídica dentro daquilo que você estipulou a si mesmo e colherá bons frutos. Mas se pensarmos na parte financeira e lucrativa somente, tenha a certeza que será mais difícil do que você pensa e te explico por que. Hoje, na maioria dos shows (e eu vou a muitos e em minha humilde e simples mente tenho provas sobre isso) o lugar não possui uma estrutura à altura, tanto para os grupos quanto para o público, não se tem banheiros limpos, não obtemos um clima agradável nos shows porque, por exemplo, você vai com a sua mina no show e lá você encontra manos se drogando, manos bêbados caídos no chão, ou até mesmo em camarins, e esse é o rap que tentamos defender diariamente. Dificilmente, se não houver uma conscientização mútua de nós mesmos, vamos obter um espaço que é nosso por direito, um espaço digno, um espaço amplo, um espaço totalmente equipado para um verdadeiro espetáculo, dificilmente vamos ter casas lotadas. De alguns meses pra cá, a situação tem sim melhorado, estruturas de qualidade, alguns manos entendendo a verdadeira mensagem e repassando pra outros e assim por diante, mas ainda é pouco, estamos muito atrasados numa situação que éramos pra estar muito à frente. Outro ponto importante a ser destacado é a questão do público alvo, ou seja, aqueles que sempre estão acompanhando a gente em todos os shows. Eu já cheguei a lugares que havia mais de 2 mil pessoas como já cheguei a lugar que tinham 40. Alguns acham que o esteriótipo “som pra favela” é algo que deve nos limitar a fazer coisas praticamente gratuitas, e até mesmo em shows gratuitos não temos um público considerável. Alguns acham que se você cobrar 20 reais em um ingresso você está enfiando a faca, cobrando algo absurdo e, às vezes, até difamando contra seu povo. Mas o mano que vai ao show e reclama de pagar 20 reais na entrada pode ser o mesmo mano que gasta 5 reais num maço de cigarros, 10 ou 15 reais em álcool ou outra substância orgânica, quero deixar claro que não tenho problemas nenhum com manos que curtem deixar seu role mais suave ou mais apimentado, nada contra mesmo (faço até uma analogia com o que o Eduardo disse em sua entrevista), porém é inadmissível esse mesmo mano enfatizar algo que ele faz totalmente ao contrário, claro, cada um faz do seu dinheiro o que bem entender, porém o mano que de repente paga um valor a mais no que considera aceitável para um show de rap, deve entender que buscamos a melhor casa pra acomodá-lo com segurança e conforto, buscamos o melhor equipamento de som, buscamos o melhor sistema de iluminação, buscamos os melhores grupos, sendo que eles possuem família e sabendo que esse show é revertido em sua forma de se sustentar. Então disso você pode pensar em quem pode viver do rap ou quem não pode.
VDRN: Como informamos acima, você falou que o Hórus não irá voltar pelos trabalhos que você quer realizar com o seu atual grupo (Dignos). Porém, por que o grupo Hórus parou após o lançamento do seu primeiro CD?
CARLÃO: Como em todo ambiente de trabalho, ambiente escolar ou ambiente familiar, você sempre terá problemas, divergências de opiniões ou conflitos, mas isso é bom para que se possa obter resultados e chegar a um senso comum. Infelizmente algumas coisas não saíram como o planejado para o projeto do Hórus, e também o outro integrante mudou-se para outro estado, então seria complicado arcar com uma agenda de shows ou algo maior como um show de lançamento. Chegamos a um acordo de lançar o cd, porque o mesmo já estava praticamente finalizado, faltando mesmo só masterizar, então não tinha a necessidade de deixar de lado algo que já estava pronto para sair, então optei pelo lançamento do disco até mesmo porque era uma dívida grande com o público que sempre me questionava sobre o cd, e eu já não tinha mais o que falar rs.
VDRN: Quais são as influências dentro e fora da música?
CARLÃO: Posso dizer hoje que as influências de ambas as partes convivem comigo todo dia em toda hora, pois elas não são só influências humanas e musicais, mas também influências de lições vividas, de problemas superados e decepções enterradas, então cada lição tem uma história, cada história serve de referência e cada referência também é uma influência. Sou um cara eclético, que gosta de vários gêneros musicais, curto samba partido, tais como Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Martinho da Vila, Alcione, Bezerra da Silva, entre outros; MPB é um marco pessoal, Tim Maia o maior de todos, Caetano Veloso, Djavan, Milton Nascimento, Chico Buarque; Músicas das antigas são influências no meu rap também, Marvin Gaye, James Brown, Light House Family, Isaac Hayes, Barry White etc. São muitos cara então ia tomar uma página inteira da entrevista. No rap não digo que são influências mais porque hoje fazem parte da minha vida como irmãos, Facção Central, A286, Realidade Cruel, Detentos, Tr3f, Apocalipse 16, meus manos do Dígnos, meu ex parceiro de Hórus Ronaldo, são pessoas que mano, me ajudaram quando eu precisei com conselhos, com a amizade e com broncas. Cresci muito por isso e acho que o que me aconteceu até hoje, eles tem uma parcela de mérito. E as maiores influências de todas, minha mãe Wal e a minha namorada Daiane. Minha mãe pelo que ela já sofreu, pelo que ela já teve que suportar e hoje ela é o meu maior exemplo. Minha namorada por acompanhar no dia a dia meus sorrisos e minhas muitas lágrimas e sempre me apoiar e me segurar quando eu preciso.
VDRN: Um Rap verdadeiro (Como os seguidores se referem) tem que espirrar sangue? A realidade é realmente só crime e drogas?
CARLÃO: Depende muito do que as pessoas entendem por “espirrar sangue”. Obviamente o verdadeiro rap, como a própria frase diz, tem que ser autêntico e não fugir do seu foco, expor a realidade explícita que vivemos perante inúmeros contra fatores. Não existe você falar de uma violência “estipulada e planejada” pela mídia ou por devastas ações governamentais sem ser violento. O peso em si é proporcional com certeza. Não podemos falar de uma guerra com palavras que não sejam ríspidas então, partindo desse ponto e desse principio, você já pode assimilar o seguinte: Se você for falar de fome, você não será pacifico, se você for falar de pedofilia, você não será romântico. Conseqüentemente desse principio você já viu que o assunto não se restringe somente a crime e drogas, existem milhares de temas. Temos a exploração de menores no mercado de trabalho que, segundo a legislação brasileira proíbe qualquer tipo de trabalho para menores de 14 anos. O trabalho a partir dos 14 anos é permitido apenas na condição de aprendiz, em atividade relacionada à qualificação profissional. E acima dos 16 anos o trabalho é autorizado desde que não seja no período da noite, em condição de perigo ou insalubridade e desde que não atrapalhe a jornada escolar, no entanto, se o menor com mais de 16 anos não tiver carteira assinada ou estiver em situação precária, ele entra nos números de trabalho infantil e ilegal. E hoje segundo a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o famoso IBGE, temos no país mais de 7.300.000 crianças entre 10 e 17 anos sendo exploradas, longe dos livros, longe da escola e sujeitas a um caminho que conhecemos, e disso já temos outro tema que pode ser abordado no rap, a precária e evasiva tentativa da erradicação do trabalho infantil. Então, por ironia, podemos até questionar quem questiona o conteúdo exposto nas letras, com simples exemplos citados acima, podemos ver que o romantismo do Fábio Júnior ou a emoção do Zezé di Camargo não são similares ao conteúdo que grupos de rap abrangem em seus temas. Cada caso é um caso, e é como o Ferréz falou em uma entrevista que eu vi, o som é feito pra quem tem que ouvir, o ladrão se identifica com o som do Realidade ou do Facção porque ele tem que ouvir aquele som, fala de experiências que ele já viveu ou vive, o religioso ouve Apocalipse porque aquilo é o que faz parte da vida dele entendeu.
VDRN: Já que falamos de problemas sociais, como você vê a nossa cultura brasileira hoje em dia?
CARLÃO: Podemos apontar a cultura como uma vertente globalizada, dotada de infinito aprendizado e conhecimento, pois o mesmo é algo passado por determinada e respectiva geração. Não posso apontar a cultura como algo inato, pois a mesma é recebida e compreendida, onde através do conhecimento agregado, o convívio social angariado, você terá segmentos para propiciar a si mesmo posições e posturas próprias, opiniões divergentes em relação até mesmo a cultura em que se está. A cultura é transmitida também em diferentes aspectos ou módulos, seja ela através da arte, da música, do próprio conhecimento (basta saber como usá-lo e onde aplicá-lo), através de uma herança religiosa imposta não só pela sociedade em qual convive, mas pela própria família. Como citei no início, a globalização em si é imposta pelo povo e pela nação cuja pessoa nasce ou cresce, pois sua influência social ou comunitária abrange uma boa porcentagem de uma cultura própria, de acordo com os costumes ou ações de sua própria nação, ratificando que nem sempre essa influência tem posição marjorativa ou predominante. Você então concorda comigo que podemos apontar e destacar que nossa cultura sofre constante oscilação devido aos veículos de comunicação que, em quase todas as ocasiões por interesses próprios e sórdidos, deturpam a mesma em proveito alheio, quase sempre através do sensacionalismo (cansei de ver nordestinos sendo vínculos de ibope no Ratinho, no Gugu ou em outros programas), distorcendo uma realidade rotineira, devastada e portadora de um sistema governamental falho e ineficiente, ou até mesmo com uma realidade inexistente, fantasiada e estipulada por novas culturas ilícitas. A omissão pode resultar em agravantes irreversíveis, tome como exemplo 1993, ignoraram a realidade e até hoje você sabe no que resultou a consolidação extrema do crime organizado, onde um dos revides expostos na mídia foram os ataques de 12 de maio de 2006, fato inclusive que eu relato em uma de minhas músicas. Nem precisamos de túnel do tempo para exemplificar, atualmente temos problemas antigos que estão mais sólidos e temos novos problemas como à gripe suína. Em maio deste ano eu li um artigo que em 21 países a quantidade de pessoas infectadas pelo vírus h1n1 superou a marca de 1600 vítimas. O Brasil ate o inicio de agosto obtinha a “impressionante” marca de 12% desse número. Caro amigo, se arredondarmos esse valor, são 140 casos, quantos você viu na TV? 12 ou 15 casos. Mas eu lhe garanto que o número é estupendamente maior, mas pra eles não interessa mostrar a ineficiência do nosso aclamado ministério da saúde. Nem todos possuem a estrutura que a Sandra Annenberg tem pra se curar desse vírus, é só você ver onde a jornalista mora, e onde o mano da periferia contaminado mora, é só você ver o custo orçamental dos remédios que ela tomou e compara com os benegripes, Apracur, Cebion, entre outros analgésicos que muitos optaram por não ser dotado de outra solução, isso quando a solução não é uma simples sopa de galinha ou um chá quente. Com base fundamentada na ampla complexidade, eu vejo então o crescimento e a ascensão da nossa cultura seguida de modificações e tentativas frustradas de uma estabilização. A cultura em si não pode ser comparada ou medida, isto é, não se pode ver a cultura de um determinado povo ou uma determinada nação como a cultura de outro povo. Algumas pessoas insistem em falar “mas nos Estados Unidos é melhor ou em qualquer lugar da Europa é melhor que isso ou aquilo”. Estamos mil anos luz atrasados em relação a eles, um atraso sumariamente ocasionado pela geração e ancestrais deles mesmos, e a continuidade é dada por nós mesmos.
VDRN: No som “A maldição”, tem uma passagem: “Cada um morre pelo que acredita”, o Carlão acredita em que?Morreria por quem?
CARLÃO: Só pra deixar claro e não haver dúvidas referentes a esse verso “Cada um defende a tese morre pelo o que acredita quem faz o certo pela interpretação dos versos da bíblia”, eu quis dizer o seguinte, não só a bíblia, mas como seu segmento de vida é ligado a sua tese, sua ideologia e sua maneira de pensar e interpretar situações e vivências. Eu não sigo nenhuma religião, mas já freqüentei muitas denominações e eu vejo que cada um tem um ponto de vista divergente da outra em relação à bíblia, a costumes ou até mesmo referente a Deus. Mas o principal é seguir sua ideologia e sua postura, defendê-la e se necessário dar sua vida sem atrapalhar ou palpitar na vida do outro, pois não concordo com pessoas que julgam ou difamam sem saber. O Carlão hoje acredita nele mesmo, acredita no seu rap, acredita nos seus irmãos verdadeiros, acredita em Deus, acredita na paz mesmo ela estando distante e sem sombra de dúvidas morreria pela mãe dele e pela namorada dele.
VDRN: O RAP é a nossa revolução na teoria, e qual a maior maneira de termos a revolução na prática? Você acha que o estudo é uma forma? Por quê?
CARLÃO: O maior e melhor modo é não ser do time do inimigo, não trilhar os caminhos oferecidos pelo inimigo e não se vincular com as armadilhas articuladas pelo inimigo. A revolução pode começar dentro da sua casa, não sendo um mau filho ou não sendo um mau pai e sim ser o pilar que sustenta seu lar e ser o exemplo perfeito. A revolução pode ser sumariada também com o fim do consumo do tabaco, o consumo do álcool, o consumo das drogas, com a distância das armas e do crime. É algo que é exaustivamente retificado não só pelo Carlão, mas também pelo Eduardo, pelo Moisés, pelo Douglas, pelo Maurício, pelo Ferréz e por todos que sempre estão sendo uma célula da revolução. A revolução não é dependente só dos cantores de rap, ela depende do público, das famílias do público e de todos que estão em busca de uma vida melhor. Não se contentar com esmolas, sempre explorar e superar seus limites, nunca desacreditar de si mesmo, nunca pensar que acabou, e entender que a derrota não é o fim e sim a primeira lição da futura vitória. Saber que os livros e a informação são armas fundamentais na nossa luta, porque o inimigo maior não vai te combater apenas com armas de fogo ou com drogas porque ele tem todas as nossas informações, sabe como nos atingir, sabe nossos pontos fracos e sabe da nossa limitação, mas sabe também que isso está mudando. Sabe que, se um político for à periferia oferecer benefícios em troca de votos, ele sabe que não terá tantas pessoas se conformando com 5 quilos de arroz, não terão jovens pedindo só jogo de camisas pro time da quebrada, ele vai se deparar com pessoas exigindo seus direitos em relação às suas promessas e só poderemos agir dessa maneira através dos estudos e da informação, como citei acima.
VDRN: Você é um cara que sempre se mostrou muito atencioso com o público do Rap, sempre procurou manter-se próximo aos seguidores do Rap Nacional. Mas o que vemos não é sempre assim, muitos começam a não ter essa postura, a que se deve isso? Será que é porque já estão “estáveis”?
CARLÃO: Bom no meu caso eu sempre procurei dar atenção por vários motivos, respeito, consideração, pois sei que me consideram e porque já fui fã também. Acho que, quem te faz ser algo é o público que escuta seu som, que vai ao seu show, que compra uma camisa do grupo às vezes sem ter dinheiro, então acho que o mínimo que você pode fazer é ser atencioso aquela pessoa que às vezes até se espelha em você, fora que pra mim é um prazer porque eu faço inúmeras amizades, algumas eu as mantenho até hoje, outras dificilmente eu lembro porque são muitas pessoas, e o que você leva pro caixão na sua morte é o seu respeito e as amizades verdadeiras. Não só eu, mas também como o André do A286, por exemplo, outro mano meu incondicional, que sempre procura dar a mesma atenção. Sobre outros grupos que não são assim, mano é difícil sinceramente eu falar sobre porque, pelo menos com os manos que eu convivo e colo, nunca obtivemos algo do gênero, ou seja, nunca ninguém reclamou “ah os caras não dão atenção”, nos shows que eu fiz sempre procurei dar atenção pra todos, nos shows do Facção ou do A286 que eu colo, sempre tem o mano muito fã que pede pra falar com o Edu ou o com Moisés, eu sempre procuro atender o desejo dele, infelizmente às vezes tem manos que não compreendem aí cai um pouco no que você fala, vou dar um exemplo, o grupo chega pra fazer o show, o camarim ta extremamente lotado de fãs querendo tirar foto, atenção ou até mesmo trocar só uma idéia. Claro que isso é permitido e como eu disse até algo que é legal pra ambas as partes, mas concorda comigo no seguinte, no caso de alguns grupos, o show normalmente é de 2 horas que exige o máximo de concentração, uma estrutura boa pra oferecer ao público, então é só solicitado que o mano ali naquele momento aguarde e deixe pra depois do show, mas às vezes alguns não entendem, e no caso há um problema de interpretação, mas felizmente os manos entendem e esperam, acho que isso que torna não só o Carlão, mas como o pessoal no geral pessoas muito firmeza e colocados na posição de ídolos. Mas sobre grupos que esnobam não posso dizer por não ter convivido com nenhum, acho que nem a condição de estabilidade entra nessa vertente porque todos buscam a sua estabilidade por incrível que pareça.
VDRN: Como você enxerga o rap atualmente?
CARLÃO: Hoje associo muito o rap nacional à posição construtivista de Jean Piaget e Lev Vygotsky, dois autores que eu, particularmente, gosto muito. O rap hoje está muito mais interessado no conhecimento em diversos aspectos, não estamos mais naquela rotina de polícia x favela ou polícia x traficante, claro, esses assuntos sempre estarão em evidência, mas veja de um tempo pra cá quantos temas são abordados em várias letras, veja o vocabulário de alguns cantores como já são diferenciados e o quanto isso agregou conhecimento ao nosso público, hoje o rap não é mais somente um estilo musical, e sim um forte instrumento radical de imposição de postura, de atitude e opiniões, as quais sempre dão caminhos para divergirem de opiniões que são consideradas lapidadas, ou seja, quem entende o verdadeiro conceito do rap, não abaixa a cabeça e não aceita a opinião de alguém ou até mesmo a decisão de alguém, através do rap a pessoa aprendeu a questionar, a querer saber mais sobre vários assuntos. Tópicos básicos do construtivismo, nunca se conformar com uma opinião ou uma decisão aparentemente correta, busque alternativas, questione, certifique-se sobre outras raízes sobre o mesmo assunto, imponha sua opinião e seu conhecimento em cima do que está sendo abrangido. Em relação a grupos, estão chegando muitos grupos bons, outros grupos de um tempo mais antigo também estão voltando e lançando seus projetos, outros projetos estão para surgir, outros cantores não estão se delimitando apenas a música e explorando outros módulos de revolução, então eu tenho a convicção que o nosso rap está em boas mãos, pois está chegando a hora que só os verdadeiros vão estar presentes.
VDRN: Qual a sua visão sobre a relação “Rap x Mídia” e “Rap x Política”?
CARLÃO: Se formos analisar, Rap x Mídia infelizmente foi consolidado pelo nosso próprio movimento. Não entendo porque eu ainda escuto o termo “se fulano ir a tal emissora, ele está se vendendo, mudou sua ideologia, traiu o seu público”. Então a cada vez que formos tachados por algum programa de alguma emissora, não podemos debater e expor nossa opinião porque estaremos nos vendendo? Se houver um convite de algum programa para que nossa visão sobre a política ou até mesmo a própria mídia ou sobre nossas precárias condições perante a preconceituosa sociedade atual, devemos nos omitir? Não podemos nos restringir ou nos limitarmos por orgulho, devemos sim manter nossa ideologia independente o lugar, a ocasião e conquistar um lugar que é nosso por direito. O Rap hoje é o único estilo musical que expõe os problemas sociais omitidos pelo governo, a própria mídia e deixados de lado por uma parcela da sociedade. A Televisão hoje é um dos maiores meio de comunicação e de acesso a informações possíveis (lembrando claro da internet, mas pra alguns o acesso mais viável e facilitado é a televisão), então, aquele que está em casa e escuta que rap é música de bandido, sempre vai manter essa opinião porque não tem um de nós ali falando o contrário, não se defendendo, mas expondo seu ponto de vista e sua opinião. Pode ter certeza que a pessoa que não tem informação sobre nosso verdadeiro rap não vai a um show de rap pra saber se somos bandidos, ele não vai à galeria comprar um cd pra saber o que estamos falando, ele vai estar vinculado àquela mídia que nos difama. Já passou da hora de estarmos num patamar superior ao que estamos e em condições bem mais gloriosas. Sobre a política estamos sofrendo um processo muito bom de ascensão, ou seja, como eu disse numa questão anterior, já sabemos de muitas coisas sobre eles, não apenas por estarem sendo expostas na televisão, mas porque estamos procurando nos informar não só sobre nossos direitos, mas principalmente sobre o dever deles. Hoje sabemos o que deve fazer um vereador, um deputado estadual, um deputado federal, um senador, um parlamentar, um prefeito, um governador, um primeiro ministro ou um presidente. Com essas informações totalmente fixadas, sabemos como expor não só nas letras, mas em reuniões e debates o que verdadeiramente deve ser feito e cumprido.
VDRN: Muito se fala que o Rap é pra favelado, contudo, sabemos que o Rap é escutado por gente de todas as classes sociais, isso incomoda? E pra você, o que se consagra uma pessoa como playboy?
CARLÃO: Não incomoda e na verdade nem me surpreende, era até algo esperado que pessoas de outras culturas e outros níveis sociais se interessassem pelo nosso conteúdo. Não posso apontar o que essa pessoa fará com o som, se pensará sobre, se usará apenas como uma janela “eu escuto rap” ou se apenas está escutando porque ouviu falar em algum lugar. Pra mim um boy é alguém desprendido de sede por saber, sede por estudo e desinteressado de racionalizar seu futuro, tanto nos estudos como principalmente no mercado de trabalho, sendo que ele tem recursos pra obter essas vertentes. Conheço muitos manos com níveis acima da média que poderiam muito bem estar na primeira carteira de uma classe de uma faculdade, mas se quer ele tem dinheiro pra pagar o vestibular, conheço manos que tem o interesse de aprender mais, fazer cursos sobre especificações que gostam, mas não tem como, e das poucas vezes que se obtêm a chance, são barrados pelo preconceito, ou são ludibriados e injustiçados devido à oportunidade ser dada ao filho do dono de alguma empresa ou porque o pai desse mesmo filho conhece alguém de alto escalão. Não considero boy as pessoas que o pai ou a mãe bancam os estudos, esses dão o verdadeiro valor. Esses, devido ao escasso mercado de trabalho, realmente não tem um padrão suficiente para arcar com as despesas, e os pais sim (devido com certeza a muito trabalho e sacrifícios). Então os pais investem no seu filho, o filho da o valor a esse dinheiro que os pais estão fornecendo, e recompensam os mesmos com o diploma, pra com o diploma sim, ter com o que buscar no mercado, um poder aquisitivo melhor pra retornar financeiramente o investimento feito pelos pais, diferente daquele que o pai investe, pega o dinheiro pra comprar um carro bonito pra ser o centro das atenções em uma balada ou pra se drogar em haves, ou financiar a prostituição infantil, esses eu considero o estereótipo do boy.
VDRN: Espaço totalmente aberto, fique a vontade:
CARLÃO: Agradecer antes de tudo a oportunidade e o espaço cedido por essa nova família que está, a cada dia que passa, se consolidando no cenário do rap nacional, a Vanguarda do Rap Nacional. Quero agradecer aqui paralelamente ao doutor Marco Aurélio Cunha, diretor e médico do São Paulo, meu tricolor rs, ele está me ajudando de uma forma incondicional e tenho nele não só um grande amigo, mas um grande ídolo e quero expor minha gratidão pelo que ele está fazendo por mim. Agradeço, maiormente, aos que respeitam meu trabalho, minha caminhada e principalmente a minha pessoa, pode ter certeza que eles têm o meu respeito. Um salve a todos manos que sempre colam nos shows Cristiano, Toninho, os manos da Cúpula Periférica, Lucas, Bocão, Porquinho, o Douglas do grupo subversos, um grupo que está chegando ae, mano, são muitos manos, é melhor eu parar de citar nomes porque certeza que vou esquecer-me de alguém, aos parceiros da Vdrn, Patrick, Pedro Paulo, Bagdá entre outros manos, um salve muito especial a comunidade do Facção Central, pra mim a melhor comunidade, pois os verdadeiros sempre estão ali defendendo nossa posição e acrescentando conteúdo, são manos especiais não só pra mim, mas também pra outros manos do rap, pode ter certeza que vocês sempre estão nas nossas conversas, e me comprometer com todos que me admiram pelo trabalho que fiz no Hórus, que esperam algo melhor do que já foi feito, pode ter certeza que estou me dedicando ao máximo a cada dia pra fazer algo que seja do nível dessa massa tão surpreendente e tão especial, o público do rap, paz a todos e muito obrigado pela atenção. Fiquem todos com Deus. Carlão
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