A suavidade de Flávio Renegado
Flávio Renegado é um vencedor, como ele mesmo diz
na letra de uma de suas composições, “Zica”. E para quem o conhece – mesmo que
apenas da atuação nos palcos ou em cenas nos bastidores dos shows que ele
frequenta, atento e interessado tanto pelo consagrado como pelas novidades –,
fica evidente a humildade e a simpatia como componentes naturais que cativam
fãs e profissionais que, pra usar uma expressão do produtor Liminha, “conspiram
muito” a favor dele. Não é por acaso que todo mundo ao seu redor tem
“disposição de construir juntos”.
#suaveaovivo” – o primeiro DVD do compositor, cantor e rapper mineiro – é uma
representativa síntese de seu trabalho até agora e, na concepção dele, fecha um
ciclo. O roteiro reúne músicas de seus dois álbuns, “Do Oiapoque a Nova York”
(2008) e “Minha Tribo é o Mundo” (2011) e traz também reinterpretações de
clássicos de Adoniran Barbosa (“Saudosa Maloca”, em versão samba-rap), Chico
Buarque (“Jorge Maravilha”) e Tim Maia (“Não Vou Ficar”, em fusão com o
instrumental de “Superstition” de Stevie Wonder, já um sucesso em seus shows).
“Estamos no Jogo”, dele mesmo, traz citação de “Aprendendo a Jogar” (Guilherme
Arantes), na voz de Fernanda Takai. “Sei Quem Tá Comigo”, “A Coisa é Séria” e
“Suave” estão entre as composições próprias que caíram instantaneamente no
gosto de seu público.
O espírito batalhador
de Renegado, associado a um jeito de ver o mundo de maneira positiva, compensou
as muitas privações por que passou, levando-o a conquistar grandes aliados,
como o elenco que comanda o DVD: os produtores musicais Liminha e Kassin e o
cenógrafo e artista múltiplo Gringo Cardia, responsável pela direção artística
do projeto. Renegado se aproximou dos três quando gravou uma participação no
DVD da cantora Bebel Gilberto, interpretando em duo uma música dele, no final
de 2012.
Entre os convidados de #suaveaovivo
estão os amigos que têm forte ligação com sua história pessoal e musical: as
senhoras do grupo Meninas de Sinhá, que são da mesma comunidade dele, Alto Vera
Cruz, a cantora Aline Calixto, ligada ao universo do samba mineiro, e o cantor
Rogério Flausino, vocalista e compositor do grupo Jota Quest, que representa o
lado mais pop do trabalho, além de um habilidoso grupo de bailarinos que dão
colorido especial a algumas músicas.
Convidada de honra, a mãe de Renegado, dona Regina,
protagoniza momento de emoção no palco, em música feita especialmente para ela,
“Bênção”. O show foi gravado num belo fim de tarde de domingo em junho de 2013
no Parque Municipal de Belo Horizonte, cidade natal do cantor. Filho de Oxossi
no candomblé, ele fala nos extras do DVD da satisfação pela escolha do local,
repleto de árvores, adequado ao perfil de seu orixá, que é ligado aos elementos
da floresta.
Todos esses componentes são significativos dentro
do universo musical de Renegado, indissociável de sua vida pessoal. Suas
letras, em grande parte autobiográficas, exalam sinceridade e respondem a quem
quer que esteja interessado em saber de sua personalidade. Nascido e criado na
favela, ele veio na contracorrente das convenções do hip-hop. A dureza da vida
de preto pobre não o fez perder a ternura e é notório que essa leveza do
discurso, associada à versatilidade sonora e à desenvoltura com que canta e faz
rap, o tenha levado a ampliar seu público para além dos guetos. Enfim, como diz
Joana Mazzucheli, responsável pela direção de vídeo, ele tem um “jeito doce de
malandro suave”.
Essa gama de possibilidades sonoras e temáticas se
evidencia no decorrer do show desse DVD, que tem misturas de samba, reggae,
balada romântica, funk, pop, canção, batuque de candomblé, ecos dos quilombos,
sambalanço de baile, rap melódico. Rogério Flausino é quem melhor define o
estilo amplo de Renegado: “hip-hop pop com muitas misturas, bem suingado e com
energia muito positiva”. De boné ou de terno, ele entrou no jogo pra ganhar,
ainda e sempre aprendendo e indo, como já foi, muito acima do Oiapoque. Com ele
a coisa é séria – mas sorridente.
Lauro
Lisboa Garcia
Jornalista
e fotógrafo de música
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