12 de abr. de 2011

Semiótica do Caos

"Vou matar vocês. Não adianta fugir."

A imagem me saltava os olhos, por entre os jornais, geometricamente bagunçados pela mesa. Toda segunda-feira é assim. Diferentes títulos, papéis, e o velho cheiro de tinta de jornal, por entre os recortes esportivos dos finais de semana, televisores e computadores devidamente ligados. Falo do monitoramento de mídias, algo com que trabalho atualmente. E diante daquela infinidade de palavras, títulos, vozes, em meio a entediante rotina de segunda-feira, vi a possibilidade de um pequeno entretenimento, através desta revista, que estampava a capa negra, numa tonalidade que confundia muito bem o luto com as trevas por entre as frases. Um verdadeiro jogo icônico de capa, que causa indução imediata ao terror completo.

Verdade seja dita, estava impelido a verificar tal revista, uma vez que nela havia uma matéria de três páginas sobre o famigerado Rap Nacional, sob a ótica óbvia daquele veículo de comunicação. O que é engraçado, uma vez que a desconstrução que aquela reportagem fazia sobre o que eles entendiam sobre Rap Nacional, estava alçada por baixo de uma capa soturna. Igual o que eles combatiam nas duas páginas. Em termos, era tal qual se pegássemos a capa de um dos tais discos clichês, sangrentos de letras góticas, e as músicas fossem justamente daqueles artistas.

Muito menos irônico, porém, é o papel desempenhado não somente por aquela revista, mas igualmente pelas principais. Não somente por estas publicações, mas também por jornais de televisão, rádio e portais da internet, sobre o trágico crime ocorrido no último dia 7, quinta-feira, na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Realengo, Rio de Janeiro. Era a capa. O assassino devidamente desenhado, em cinza. Era a principal reportagem, que incluía cinco páginas exclusivas sobre o sujeito. Uma descrição detalhada sobre a vida e o passado do assassino, além das possíveis causas. A famigerada carta deixada, devidamente escaneada. Nem o boletim do rapaz escapou.



Ao molho grosso modo, a Comunicação Social, ciência ao qual estão fincadas o Jornalismo, a Publicidade e Propaganda e as Relações Públicas, tem como uma de suas bases a Semiótica. Em termos precisos e rápidos, a semiótica tem como premissa, o estudo de fenômenos culturais e até sociais como se fossem sistemas sígnicos. Ou seja, a atribuição de significados. É assim que decodificamos a linguagem, e é assim que tal capa de revista desperta a atenção diante de uma monótona segunda-feira.

Torno minha memória ao recente programa dominical, da líder de audiência aberta neste país, que dedicou bons minutos de reportagem sobre o assassino. Inclusive colocando, ao fundo sonoro, um looping do mesmo sample que havia sido utilizado na música Roleta Macabra, do FC. Entrevistaram líderes religiosos, apontaram problemas de natureza psicóloga. Não menos igual, foram estes últimos cinco dias, por quase todos os principais veículos de comunicação. Grandes rádios entrevistando inúmeros psicólogos, líderes religiosos e até mesmo policiais militares. Jornais e programas desbravando e iconizando um assassino frio, sob as mais variadas teorias. Até aqui, a mídia já apontou de tudo. Islamismo, fundamentalismo, problemas mentais, e até mesmo bullying.

12 crianças foram mortas.

O cuidado que os veículos de comunicação têm para com as vítimas do Realengo chega a ser um completo escárnio. Um retrato fiel da inversão social de valores neste país. Dedica-se mais tempo para a descrição detalhada da vida de um psicopata, que nada tinha na cabeça, do que para a descrição da vida das vítimas. A arrogância com que editores de reportagem e jornalistas trabalham, é igualmente absurda. Tal tragédia mostra a antecipação da televisão em relação à própria polícia carioca, ao divulgar provas e evidências numa velocidade assombrosa, e ao descrever tanto a vida daquele sujeito, sob entrevistas que soam até como interrogatórios por parte de repórteres um tanto sensacionalistas. Algo que claramente pode incentivar outros crimes de igual natureza, vide o destaque desproporcional dado aos devidos lados da questão. Uma promoção do terror sígnico, contraditório ao ponto em que estes veículos propagam e guiam as condutas morais da sociedade brasileira. Reconheça e desbrave o assassino, mas jamais ouse comer lazanhas ou fumar cigarros.

Pior que a transformação do facto em sí, pela inversão de valores, será seu rápido esquecimento, fenômeno recorrente devido ao efêmero propagado pelo sensacionalismo comunicativo. Foi assim com o casal Nardoni, foi assim com a garota Eloá. Será assim sempre que uma tragédia emocionar a população e não houver um regulamento que estipule limites para tamanha liberdade de imposição semiológica. Caso contrário, pensarei que teóricos da comunicação, como Jhon Locke e Charles Peirce, irão se revirar em seus túmulos, ao presenciar tamanho escárnio simbólico e lingüistico, promovido pelo atual vigor de programas e jornais um tanto descompromissados com sua real finalidade.

Uma semiótica do caos.

Que a luz do conhecimento e do equilíbrio se faça sempre presente a todos os vanguardistas, leitores assíduos deste blog. É com este tom, que inauguro a nova seção de colunistas.

"É sempre melhor que quem nos incute medo tenha mais medo do que nós."
(Umberto Eco, semiólogo italiano)

Seja bem vindo.

General VII é escritor, formado em Comunicação Social. Torcedor assíduo do Paraná Clube, borracho e hooligan nas horas vagas, é contra o Futebol Moderno e contra as modernidades.